O assassinato de ‘Americano’, ex-militar e líder do PGC, elevou os conflitos com o PCC a novos patamares, transformando a capital catarinense em palco de uma guerra pelo controle do tráfico.
As últimas 48 horas em Florianópolis revelaram a explosão de uma guerra de facções que, até então, parecia controlada. As ruas da capital catarinense se tornaram palco de confrontos armados entre o Primeiro Grupo Catarinense (PGC) e o Primeiro Comando da Capital (PCC), refletindo uma rivalidade que começou há anos e agora atingiu novos níveis de violência.
O episódio mais recente dessa escalada de ataques ocorreu após a morte de David Beckhauser Herold, conhecido como “Americano”, figura central na facção catarinense, o que desencadeou uma série de confrontos sangrentos.
O estopim para a violência: David Beckhauser Herold, o “Americano”, foi assassinado no dia 2 de outubro de 2024 na Vila Nova Cachoeirinha, em São Paulo. Aos 34 anos, Americano já havia cumprido pena por homicídio e era uma peça-chave no tráfico de drogas em Santa Catarina. Seu apelido vem do tempo que passou servindo no Exército dos Estados Unidos, onde adquiriu habilidades de combate que o tornaram um dos criminosos mais temidos de sua facção.
Quem era o ‘Americano’: David Beckhauser Herold, mais conhecido como “Americano”, foi uma figura central no submundo do crime em Santa Catarina e São Paulo, mas sua trajetória começou bem longe desse cenário. Nascido em Florianópolis, ele teve uma vida marcada por sua dupla cidadania e por seu tempo servindo no Exército dos Estados Unidos, onde participou da Guerra do Iraque. Foi justamente essa experiência de combate que o transformou em um homem temido e respeitado, tanto por aliados quanto por rivais no mundo do crime.
Americano ganhou notoriedade por ser um “bicho pra frente”, como poucos em sua época. Quem conviveu com ele afirma que David não tinha medo de enfrentar qualquer adversidade, fosse nas ruas de Florianópolis ou nos territórios de guerra em que atuou no Oriente Médio. Sua frieza e capacidade de estratégia, adquiridas nas Forças Armadas, o colocaram em uma posição de destaque no PGC, o Primeiro Grupo Catarinense. Muitos relatam que ninguém ousava fazer frente a ele, e isso gerou um respeito absoluto dentro da facção.
Apesar de sua ascensão no crime organizado, nos últimos anos, David havia adotado uma postura mais tranquila. Após um longo período preso por homicídio – condenação que o mantinha sob o radar das forças de segurança de Santa Catarina –, ele parecia estar buscando uma vida diferente. Já em liberdade, David se dedicou à produção musical em São Paulo, trabalhando com artistas como o cantor de trap Boladin 211. No entanto, seu passado não o deixaria em paz.
No dia 2 de outubro de 2024, Americano foi brutalmente assassinado na Zona Norte de São Paulo, durante a gravação de um videoclipe. Dois homens desconhecidos abriram fogo contra David, disparando mais de 60 tiros. As testemunhas ficaram atônitas com a violência do ataque. “Vi muitos tiros. Um atrás do outro. Parecia barulho de moto, mas era tiro. Todo mundo saiu correndo”, relatou uma testemunha que estava próxima ao local. O ataque foi tão intenso que atingiu um veículo nas proximidades, e David morreu no local, sem chance de defesa.
“Eles ficaram sabendo, aqui em SC, que foi o PCC que matou ele em São Paulo”, relata uma fonte próxima ao caso. O sentimento de vingança e a necessidade de honrar a figura de Americano – também conhecido como Mumu – provocaram uma reação em cadeia. “O Americano era muito querido por aqui, por todo mundo. Ele tinha lutado no Iraque, era um cara respeitado, e isso pesou muito”, explica a fonte.
Foi o estopim para que o PGC planejasse uma ofensiva em territórios controlados pelos paulistas no Norte da Ilha de Florianópolis. O objetivo principal era tomar a comunidade de Papaquara, área dominada pelo PCC, localizada próxima à UPA Norte e ao Terminal de Integração de Canasvieiras (TICAN). Esse território se tornou um ponto estratégico na guerra do tráfico e, nos últimos dias, um verdadeiro campo de batalha.
A Invasão de Papaquara: O conflito começou na madrugada de sexta-feira, 18 de outubro, quando criminosos ligados ao PGC tentaram invadir Papaquara. A primeira investida terminou com dois veículos incendiados, e um dos envolvidos foi levado para a UPA com ferimentos graves. A Polícia Militar, já ciente da tensão entre as facções, prendeu três suspeitos no local, entre eles um adolescente. A ação, que poderia ter contido a violência, foi apenas o prelúdio para uma série de ataques ainda mais ousados.
Na tarde de sábado, 19 de outubro, o cenário escalou rapidamente. Uma segunda tentativa de invasão à comunidade ocorreu, desta vez com maior intensidade. Sete suspeitos foram presos pela Polícia Militar, e um criminoso foi morto durante o confronto.
Este criminoso era Iury Gonçalves Ribeiro, conhecido dentro da facção como o responsável pelo “rigor/disciplina” do grupo em Florianópolis. Iury foi morto após ser interceptado pelo BOPE, que havia sido acionado para apoiar o Subcomando da PM.
Durante a operação, a guarnição avistou um grupo de homens saindo da mata; ao ser abordado, Iury disparou contra os policiais e acabou sendo alvejado.
Caos e medo na Grande Florianópolis: Diante da intensificação das operações policiais, o PGC teria organizado uma série de ataques coordenados para desviar a atenção das forças de segurança de Papaquara.
A estratégia incluía incendiar veículos e bloquear vias em diferentes pontos da Grande Florianópolis. Em Tijucas, por exemplo, três carros foram queimados na BR-101, e motoristas foram rendidos por criminosos armados com pistolas e espingardas calibre 12.
Na capital, criminosos atacaram em áreas como São José e Palhoça, com incêndios em veículos e ônibus, causando um verdadeiro colapso no trânsito. As linhas de ônibus foram temporariamente suspensas, e a recomendação das autoridades foi clara: a população deveria evitar sair de casa.
A cidade parecia à beira de um cerco, com confrontos armados e a constante presença de helicópteros e viaturas policiais em todas as regiões afetadas.
A rápida resposta da PMSC: Durante o sábado, a Polícia Militar conseguiu prender vários envolvidos nos ataques. Um dos flagrantes mais impressionantes aconteceu no Morro do Mocotó, onde um criminoso do PGC foi baleado segundos após apontar uma arma para um motorista, ordenando que ele retornasse.
O bandido, identificado como Edson Galvão, portava uma pistola Glock .40 com seletor de rajada. Após ser baleado no rosto e na virilha, ele foi internado no Hospital Celso Ramos (HCR).
As operações continuam, com diligências em andamento para localizar outros criminosos que permanecem escondidos na mata e possivelmente armados.
Segundo fontes ligadas à segurança, essas ações podem se prolongar por vários dias, até que o controle total da situação seja restabelecido. Neste domingo, por exemplo, uma lixeira foi incendiada por criminosos na Beira Mar de Florianópolis.
O futuro da guerra entre as facções: A morte de Americano foi o estopim para uma guerra que já estava latente entre o PGC e o PCC. A invasão de Papaquara e os ataques generalizados indicam que a rivalidade entre as facções pode continuar a se intensificar, especialmente com o enfraquecimento temporário do PGC após a perda de lideranças como Iury Ribeiro.
A secretaria de Estado da Segurança Pública reuniu as forças de segurança, na tarde deste sábado, 19, para atualizar as informações da pronta resposta dada aos atos de vandalismo, na região da Grande Florianópolis, e a uma ocorrência isolada na comunidade Papaquara, no Norte da Ilha. O balanço da atuação em combate aos incidentes criminosos foi apresentado em entrevista coletiva, com a presença do governador Jorginho Mello e chefes das Forças de Segurança de Santa Catarina.
“As nossas forças de segurança agiram rápido, como sempre é feito. Tudo começou com essa ocorrência no Norte da Ilha e a PM tendo a informação foi até o local onde efetuou prisões e apreensões. Um criminoso foi alvejado e morto ao reagir e tivemos 13 prisões por conta desses atos de vandalismo aqui na Grande Florianópolis. Rapidamente reforçamos o número de agentes nas ruas da PM, Polícia Civil e Bombeiros. Agora no começo da noite já não temos mais bloqueios ou barricadas e a inteligência da Segurança Pública segue monitorando tudo de perto. Queremos tranquilizar a população que aqui temos a melhor polícia do Brasil”, destacou o governador.
A Polícia Militar de Santa Catarina (PMSC) junto com as demais Forças Policiais e de Segurança do Estado, desmobilizaram vários bloqueios e atos de vandalismos em vias da Grande Florianópolis em conjunto com o Corpo de Bombeiros Militar. Ao todo, foram 18 bloqueios na Grande Florianópolis.
Fonte: Jornal Razão